terça-feira, 5 de maio de 2015

Por que temos tão poucos artistas plásticos cristãos?

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Por Rafaela Senfft
A produção artística na comunidade cristã é ainda incipiente no campo das artes plásticas. Há muito tempo os cristãos se alienaram dessas práticas artísticas, talvez porque não tenham conseguido agregá-las à vida cristã comunitária nem incluí-las no âmbito da expressão estética do Reino de Deus. As preocupações em preparar-se espiritualmente para a volta de Jesus, abstendo-se de tudo o que considerava “secular”, bem como o cuidado para não contaminar-se com o “mundanismo’, acabou jogando no cesto do secularismo muitas coisas que refletiriam a glória de Deus. Muitas expressões musicais, por exemplo, que falam da natureza, da existência, dos sentimentos humanos, foram desprezadas pelos ouvidos cristãos porque foi-lhes ensinado a suprimir o que era “terreno” em troca da transcendência. Com isso, perdeu-se a oportunidade de expandir o conteúdo do louvor literal. Acontece que a ausência desses elementos que muitas vezes são negligenciados em função de um temor de se aliar ao secularismo, como a percepção e a reflexão sobre as coisas naturais e existenciais, resulta num esvaziamento inóspito do “patamar superior”, pois faltam elementos e recursos criativos; e a ideia de céu cai naquele imaginário clichê monocromático que consiste em anjinhos tocando harpa sobre nuvens.
Um dilema histórico pode nos ajudar a desenvolver este raciocínio. Desde quando o imperador Constantino instituiu as Basílicas Romanas como locais de culto cristão, decorar ou não as igrejas foi um assunto amplamente discutido. A decoração das basílicas dependia de quão iconoclastas os papas eram. Alguns viam as imagens com parcial importância, pois estas serviriam a fins didáticos, a maioria da população não sabia ler e as cenas bíblicas desenhadas nas paredes ajudariam estas pessoas a conhecer a narrativa cristã. Outros pensavam na arte como reflexo da glória de Deus, por ser um talento dado pelo próprio Deus, refletia Seu poder vocacional sobre homens a fim de glorificá-lo, e ainda na própria noção do Belo como uma virtude elevada, o resplendor das formas e cores seriam símbolos da glória divina, e a arte serviria como veículo transportador até à transcendência. Os iconoclastas temiam que as imagens se tornassem como “bezerros de ouro” utilizados para a prática da idolatria, tomando o lugar de Deus. Os protestantes brasileiros acabaram se aproximando desta ultima idéia e o resultado disso foi uma pobreza estética que inibe a imaginação. Fomos privados de um aprendizado simbólico que produziria em nós um repertório riquíssimo de significados. Por causa desta privação, nos tornamos pouco imaginativos e muito pragmáticos; e, portanto, tão pouco ligados à ideia de eternidade (pois pensar na eternidade requer materiais imaginários e simbólicos complexos). Talvez por esta ausência, haja também tanto desinteresse pela narrativa bíblica, principalmente pelo Antigo Testamento. A imaginação é algo essencial na saga dos heróis da fé. Com ela é mais prazeroso habitar na História e se deixar fruir com ela.
Penso o quanto é importante uma educação simbólica e artística na escola (e por que não na igreja?), pois ela tem o poder de trazer estes recursos que enriquecem a vida. Vida com Deus requer imaginação! A arte tem o poder de fazer fruir o pensamento, ela serve para desenvolver uma visão de mundo menos formatada; ela serve como uma forma de transformar pedras em coelhos, tesouras em corujas. Arte serve para manter acesa a chama do imaginário, a única que propõe uma dança em meio a situações mais conflitantes da vida; é aprender a ter leveza, a ver respostas e soluções no infinito, é atravessar as paredes do materialismo para buscar respostas necessárias à condição humana.
Excluir das manifestações estéticas o sentimento autêntico humano ou o cheiro da flor não é servir ao mundanismo, pois o próprio Deus permitiu que ambos existissem. Não decorar as igrejas ou não se deliciar na tinta fresca sobre a tela por causa de uma interpretação equivocada de idolatria não é se alienar, ao contrário, se Deus é tão rico em sua criação, então por que não celebrar e levá-la de uma forma instigante as outras pessoas? Expressar artisticamente é amar, quando se faz isso dentro de uma ordem lógica inteligente; a arte pode falar da dor, mas deve trazer a esperança, pois a arte do cristão precisa refletir sua visão de mundo. O artista não precisa representar apenas anjos, santos ou Jesus crucificado; o artista cristão precisa utilizar da arte como uma seta que aponta para um Novo Reino, provocar uma centelha de esperança do coração das pessoas. O artista cristão deve ensinar o outro a descansar, deleitar, a se entregar a um novo mundo que foi inaugurado por Cristo de onde emana a fonte de toda a beleza e que ao olhar uma obra de arte tão arrebatadora por sua beleza, imaginar que um dia adentraremos num lugar tão mágico quanto!
A arte, quando pautada numa visão de mundo correta dentro do relacionamento com Deus, é capaz de comunicar coisas grandiosas, desvendar tesouros escondidos. Mas é importante que o artista vivencie experiências estéticas e busque conhecimento para que, com um olhar permeado da graça de Cristo, possa assumir uma produção responsável.
A produção artística no Brasil é incipiente, mas está acontecendo. Deixo minha sugestão de uma literatura imprescindível para todos os artistas cristãos: A Arte Moderna e a Morte da Cultura, de Hans Rookmaarker. É um livro elementar para a busca de um conhecimento estético complexo. Rookmaarker faz uma leitura da arte na história com um olhar redentivo, e, a partir deste conhecimento, aponta diretrizes de uma arte de quem busca um cristianismo que integra trabalho, vocação, missão e relacionamento através da arte.
• Rafaela Senfft é artista plástica e professora de Historia da Arte. É membro da Igreja Esperança, em Belo Horizonte (MG).

Um comentário:

  1. Talvez o que a autora do artigo queira dizer é que não os artistas cristãos evangélicos/protestantes não estão evidentes para o público de uma forma mais abrangente e isso se dá porque os artistas evangélicos/protestantes estão espalhados por diversas denominações que têm dificuldade ou mesmo clara resistência em trabalhar em conjunto já que, geralmente, querem imprimir a sua própria visão teológica em cada ação efetuada pela igreja. Não há um espaço democrático e eficiente para que o trabalho de todos os artistas, independente da denominação, possa ser percebido pelo público como um conjunto maior e expressivo.
    Além disso, existe a questão da visão da igreja local sobre esse tipo de talento para comunicar conteúdo através de imagens. Como artista eu sei como é não contar com um departamento que promova isso em uma igreja, como ocorre com música ou teatro que são mais facilmente aceitas e valorizadas porque é mais fácil agrupar talentos para música e teatro do que para artes visuais.
    No entanto, já tive o privilégio de participar de igrejas que buscavam criar esse espaço. O que se verifica também é que muitos artistas, mesmo quando têm espaço e incentivo de seus líderes, têm dificuldade em se dedicar a um trabalho contínuo e direcionado em algum projeto em suas igrejas. Aí é uma questão de visão missionária do próprio artista que precisa ter um entendimento de que seu talento vem de Deus e é para Ele que deve ser manifesto com dedicação.
    A arte é eficiente para a comunicação do evangelho ou para a educação e discipulado daqueles que estudam a Palavra.
    Creio que uma boa estratégia é efetuar com regularidade exposições de trabalhos de arte cristã nas igrejas, para valorizar os artistas locais e de outras denominações e deixar o público perceber como pode ser forte a comunicação de uma mensagem com uma imagem ou escultura, ou gravura, quadrinhos, ou outra forma de arte que estiver sendo proposta.
    Muito artistas cristãos podem ser encontrados no grupo facebook.com/desenhistascristaos e em outros grupos da internet.
    Mencionei este por fazer parte dele e para valorizar os meus colegas que se dedicam todos os dias a expressar em imagens a mensagem do evangelho que é Jesus, nosso Senhor e Salvador.

    Lemuel Massuia
    Ilustrador, Designer e publicitário
    www.lemuelstudio.com.br
    www.wingsdc.com.br
    www.facebook.com/lemuel.massuia
    lemuelstudio@gmail.com

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